Isabel Arruda
A vida chama

Foi no outro dia.
Com o olho fixo na tela e com a desculpa de que era trabalho, meu filho se coloca entre o celular e eu.
Olhar atento buscando pelo meu.
Me chama pra vida.
Me diz, através do seu sorriso -cheio de dentes nascendo e baba escorrendo - que não é ali aonde eu deveria colocar a minha atenção naquele momento.
Sorrio de volta e ja mergulho novamente naquele espaço cheio de recortes da vida. “Preciso terminar de ler isso”, penso.
E lá vem ele de novo.
Com mais intenção, mais foco, com o sorriso ainda mais aberto. Disposto a conseguir o que quer.
Quando retribuo o olhar, ele bate palma.
Me chama pra vida.
Minha filha me chama pra vida quando quer me contar - em todos os detalhes possiveis - tudo sobre Harry Potter e Star Wars.
Anakin que era bom e virou mau é agora Darth Vadder, que é pai do Luke Skywalker. Harry potter que enfrentou o Lord Valdemore e o Dumbledore fez sei lá o que, com coisa e tal.
Absorta em pensamentos, finjo ouvir, entrando no modo - “Aham”, “é filha”, “uau”
Ela me pega no pulo e diz - mamaaaaae, com aquele tom de puxão de orelha e volta a discurssar sobre o lado negro da força.
O sol em chama pra vida quando me acorda com seu raio potente, driblando a cortina milimetricamente fechada.
Cada vez que se põe mais cedo, me lembrando que a vida é cíclica e que já já sentiremos muito a sua falta.
A água me chama pra vida quando mergulho em um lago gelado, e sinto todas as partes de mim arrepiar.
Sinto sangue correndo nas veias. Sinto energia.
To viva.
A vida chama.
Pro agora.
O tempo todo.
Será que estamos ouvindo?