Isabel Arruda
O plano que deu errado

Olhando pela janela, já já a noite
toma conta.
E logo, me dou conta. Que faz
pouco mais de 4 anos.
Dos finais de semana na serra. Dos domingos ensolarados, na praia
lotada.
Daquele abraço apertado na tia que morava no mesmo prédio, nas
amigas de infância que estavam
a um túnel de distância e no filho da
amiga que crescia mais rápido que
o tempo.
Do pão de queijo quentinho, do pão na chapa do boteco ou do chopp
gelado, tomado em pé na esquina
do bairro mais badalado.
De sonhos, o nosso plano de
imigração foi feito. E de realidade foi sendo vivido e construído.
Posso fechar meus olhos e sentir
a sensação da despedida. Da última vez que olhei para o apartamento
vazio e também do vazio no meu
peito ao dizer adeus.
Queria páginas em branco para começar a escrever uma nova história.
Queria Liberdade.
Queria novos enredos e novos
personagens.
Cenários diferentes e belos, para
nos embalar nesse novo conto.
E lembro de tudo isso como um
passado remoto.
Hoje, quatro anos depois, sentada
no sofá da sala, percebo a noite já
completamente escura, olho em
volta e penso como nosso plano
Canadá deu errado.
Não consegui o emprego que inicialmente queria.
Não consegui entrar no mercado de trabalho que desejava.
Não tivemos uma adptação simples e fácil.
Não caímos de amores pela cidade logo de cara.
Não tivemos a sensação de que aqui era o nosso lugar.
E por pouco nosso plano não foi
interrompido, assim como também o casamento.
Desgaste emocional, físico e mental.
Sensação de não pertencimento e rejeição.
Sensação de falha.
Perda de Identidade.
O plano Canadá definitivamente deu errado.
Só que a vida, ah, essa sim deu
muito certo.
No labirinto que é a vida de um
imigrante, os caminhos
mais improváveis foram se abrindo
para me ensinar que a vida não é
como aquele roteiro de gravação
que estava acostumada a me guiar
nos tempos de produtora de
televisão.
Que se perder é importante, para depois se encontrar.
Que a liberdade não é dada,
como um presente embalado em um grande laço vermelho.
Que a vida é fluida e
impermanente.
Que quanto mais resistimos ao
que é, mais conflito acontece.
Que a beleza da vida se faz
exatamente no caminhar, com um passo na frente do outro, sem
querer pular 3 casas de uma
só vez.
Que desafios quando superados, deixam cicatrizes invisível
aos olhos, porém marcada
na alma.
Que chorar cura.
E o afeto também.
E quanto a vida?!
Ah, essa deu muito certo.